Lajeado - No imaginário social, mencionar quilombos pode soar apenas como algo do período do Brasil Imperial, quando agrupamentos de escravizados se refugiavam em zonas canavieiras no século 18. No entanto, destacar a existência das comunidades quilombolas e sua importância na formação identitária de seus moradores é um dos objetivos da certificação desses espaços, principalmente onde os negros são minoria - caso do Vale do Taquari.
Foi isso que aproximadamente 20 famílias, que moram em uma área entre os bairros Santo Antônio e Morro 25, conquistaram no último sábado (18). O grupo recebeu um documento concedido pela Fundação Cultural Palmares, por meio do Ministério da Cultura (MinC), que os certifica como remanescentes das comunidades dos quilombos. A ação contou com o apoio e organização da Emater/RS-Ascar de Lajeado, que mediou os procedimentos a pedido do MinC, já que tem forte atuação com povos tradicionais.
Trata-se, portanto, de uma certidão de auto reconhecimento: ela tem efeitos culturais e legais, que garantem acesso a políticas públicas do Governo Federal, como explica a coordenadora de Assistência Técnica e Agricultura Familiar Quilombola da Emater, Regina da Silva Miranda. Para ela, é necessário pensar o quilombo a partir de práticas de resistência e experiência que constroem uma trajetória comum.
Ela diz que, embora, para alguns, o espaço possa transparecer uma ideia de isolamento étnico, não é assim que as pessoas ali se percebem. "Os quilombos continuam sendo um horizonte de resistência, pois, apesar da abolição da escravatura, ainda há uma forte reprodução da discriminação sobre os negros. Precisamos reconhecer que isso existe para poder corrigir este cenário. Então, estas comunidades ainda são formas de isolamento e resistência pela opressão que essas pessoas vivem numa cidade em que a maioria não é negra."
Políticas públicas de acesso à terra, inclusão produtiva e desenvolvimento local, além de tarifa social de energia elétrica, por exemplo, são alguns dos direitos conquistados com a certificação.
Agrupamento
Mariane Juliana da Silva (27) é diarista, mãe de dois filhos _ um menino de 10 e uma menina de 3 anos. O quilombo é onde se sente aceita e à vontade para circular, o que não acontece em todo lugar.
Entre as suas preocupações, além da preservação da cultura, estão as condições de vida de seus vizinhos. A certificação lhe traz a esperança de dias melhores. "Aqui era uma comunidade perdida. Aos poucos, estamos encontrando nosso caminho e nossa identidade."
Antes da entrega da certificação, o grupo de cerca de 30 pessoas conversou sobre a origem da comunidade. Ninguém sabia ao certo como ela tinha surgido. Ainda assim, a troca de experiência e histórias contadas eram semelhantes às de outro agrupamento que participou do encontro, o Quilombo São Roque, de Arroio do Meio.
O grupo de cerca de 80 pessoas vive no distrito de Palmas, a quase 600 metros de altitude. Descendentes de escravos africanos, eles também convivem com costumes atuais, mas ainda preservam tradições de seus antepassados. As duas comunidades irão promover visitas entre as áreas para fortalecer a cultura ancestral. Uma oficina para escrever a história do Unidos do Lajeado está nos planos para os próximos meses.
Projeto Vida em Construção
Desde 2011, um grupo de voluntárias trabalha em parceria com os moradores para promover mais qualidade de vida. Foi a Irmã Dorildes Biovesan (76) quem levou o projeto Vida em Construção à comunidade. "Começou em outros bairros, que tinham áreas em situação de vulnerabilidade social, como o Igrejinha e Conservas." Antes de conseguir doações com empresas da região para erguer uma casa que serve de templo e espaço para oficina, o trabalho de costura e patchwork era feito na rua, em frente às casas.
Marine é uma das pessoas que relata como o projeto foi importante para guinar sua mudança de vida e até desenvolver mais pertencimento com o quilombo. As voluntárias se emocionam. "Esse registro vai trazer mais identificação e estimulá-los ainda mais", comemora Irmã Dorildes.
A gente explica
A palavra quilombo tem origem bantu, que designa uma instituição política e militar que envolveu várias regiões da África bantu, conforme o antropólogo brasileiro Kabengele Munanga. A definição designa uma área geográfica e um complexo cultural da África Negra. Os primeiros contingentes de negros escravos trazidos para o continente americano eram oriundos de povos dessa região.
Para o antropólogo, a presença dos negros buntus e sua liderança nos quilombos são inegáveis, porém, seu caráter seria transcultural já que reunia negros de outras regiões africanas e demais indivíduos marginalizados pelo regime colonialista.
Fonte: Emater/RS
Última atualização: 20 de fevereiro de 2017 às 08h13min
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